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Genes homeóticos

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Genes homeóticos são genes envolvidos na regulação do desenvolvimento de seres vivos. Eles estão associados à definição de eixos corpóreos e caracterização de diferentes regiões do corpo.[1]

Esses genes foram inicialmente estudados em animais, notadamente em Drosophila melanogaster.[1][2] Estudando essa mosca modelo para genética, William Bateson descreveu mutantes que possuíam segmentos que assumiam características e portavam estruturas de outras regiões do corpo da mosca. Exemplos clássicos são Antennapedia e Bithorax, mutantes que, respectivamente, apresentavam pernas onde haveria antenas e um segundo par de asas, pois o terceiro segmento torácico caracterizava-se como o segundo.[3] Tais genes apresentam alto grau de conservação em Metazoa e foram amplamente utilizados para reconstruir as relações evolutivas entres as diversas linhagens de animais.[4][5]

Depois, genes homeóticos foram ainda descritos em outros grupos, como plantas, fungos e algumas linhagens de eucariotos unicelulares, indicando um surgimento muito antigos dessas sequências.[6][7][8] Há 11 classes de genes homeóticos (incluindo mais de 100 famílias) nas linhagens animais e 10-14 classes em plantas (a depender da classificação).[9]


Organização geral

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Representação da colinearidade espacial de genes homeóticos em Drosophila. Retirado de Khan Academy[10].

Genes homeóticos são encontrados nos chamados clusters, ou seja, organizados em conjuntos lineares em regiões específicas do genoma. Porém, a organização desses genes nos clusters aparece de modo interessante: eles estão dispostos de modo colinear com as regiões corpóreas cujo desenvolvimento eles controlam de acordo com o eixo anteroposterior do animal. Sendo que os genes que se expressam na região anterior do corpo estão na porção a 3' do cromossomo, e aqueles cuja expressão se dá na região posterior estão a 5'.[1][5][11][12]

Além da colinearidade especial dos clusters, ocorre algo ainda mais interessante: há colinearidade temporal na expressão dos genes. Os que controlam o desenvolvimento da porção anterior se expressam antes dos que controlam o da região posterior.[1][5][12]

Função biológica

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Representação esquemática do mecanismo de ação de fatores de transcrição. A linha representa a fita de DNA, o retângulo referido como TATA representa um promotor, em azul, temos diversos fatores de transcrição formando um complexo com a RNA polimerase, a enzima responsável pela transcrição. Retirado de Gill (2001) [13].

Esses genes são marcados pela presença do homeobox.[8] Trata-se de uma sequência de cerca de 180 nucleotídeos, que codifica um peptídeo de 60 aminoácidos que é ligante de DNA.[2] Isso significa que essas proteínas têm a capacidade de reconhecer sequências de DNA, se associar ao cromossomo e, assim, controlar a expressão de determinados genes, atuando, portanto, como fatores de transcrição.[2][14]

Tais fatores interagem com a região promotora de genes específicos. Isso ocorre em conjunto com outros fatores de transcrição, permitindo o reconhecimento mais específicos dessas sequências.[13] Assim, a transcrição desses genes é ativada e iniciam-se diversas cascatas, envolvendo genes com diversas funções, que resultam na diferenciação correta da célula, na formação de órgãos e estruturas e na definição dos eixos corpóreos.[2][12]

Mutações e/ou problemas de regulação nos padrões de expressão de genes homeóticos são muitas vezes letais ou, no mínimo, diminuem muito a probabilidade de sobrevivência dos indivíduos que as portam.[2] Isso implica na necessidade de uma regulação refinada para garantir que os genes sejam expressos nas regiões e momentos corretos.[10][15][16][17]

Há uma regulação própria dos genes homeóticos interagindo entre si e se inibindo.[2] No entendo, estudos mais recentes com D. melanogaster mostram que há mais mecanismos envolvidos nessa regulação. Eles dependem de fatores maternos presentes no oócito, genes gap, genes pair-rule, e genes segment-polarity.[2][10][15][16][17][18]

As descrições feitas a seguir são todas baseadas em D. melanogaster, configurando, portanto, um modelo e não sendo válidas a todos os casos.

Esquema da sinalização de genes de efeito materno. Retirado de Khan Academy[10].

Genes de efeito materno

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São genes cujos mRNAs são transcritos e acumulados nos oócitos desde antes da fecundação.[10][15] Tal acúmulo não é, porém, aleatório. Alguns mRNAs se concentram na porção anterior (como o do gene bicoid), outros na posterior (como o do gene oskar).[18][19] Isso gera um gradiente de concentração morfogênico: onde há concentração elevada de bicoid e baixa de oskar, há diferenciação celular de modo a formar as estruturas dos seguimentos anteriores do corpo da mosca. Na condição contrária, estimula-se a formação de estruturas da região posterior.[17][19]

Esquema da expressão de genes gap no embrião de D. melanogaster. Retirado de Khan Academy[10].

Genes gap (termo em inglês para lacuna) são expressos em blocos de segmentos colaterais.[10][15][18] Seu nome deriva de mutantes para esses genes, os quais não apresentavam um conjunto de segmentos consecutivos, ou seja, havia uma "lacuna" no corpo das moscas.[15][17][18] Eles estão relacionados com a sinalização para definir grandes regiões do corpo dos animais e sua expressão é regulada pelos genes de efeito materno e há interação de genes gap entre si.[10][15][18] Entre os genes gap estão hunchback, kruppel e knirps.[18]

Genes pair-rule

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Esquema da expressão de genes pair-rule no embrião de D. melanogaster. Retirado de Khan Academy[10].

Genes pair-rule são expressos em segmentos alternados, gerando um padrão de "zebra" com faixas de expressão. Esse é padrão é gerado pela regulação de genes gap sobre os pair-rule.[10][15][17][18] Mutantes para algum gene pair-rule não apresentam os segmentos em que ele é expresso.[18] Entre esses genes pode-se destacar even-skipped, odd-skipped, hairy, fushi-tarazu e paired.[18]

Genes segment-polarity

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Genes segment-polarity (termo em inglês para polaridade do segmento) estão envolvidos na determinação das porções anterior e posterior de cada segmento isoladamente. Entre eles há genes das vias Wingless e Hedgehog.[15][18]

Esquema da expressão de genes homeóticos no embrião de D. melanogaster, resultando das interações entre as outras classes de genes acima mencionadas. Retirado de Khan Academy[10].

A interação das sinalizações de todas essas classes de genes, somada às interações dos produtos dos próprios genes homeóticos entre si, leva à expressão correta dos genes homeóticos, tempo em termos espaciais, quanto temporais. Assim permitindo o desenvolvimento do embrião.[10][15]

Genes homeóticos em plantas

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Há 14 classes homeóticas nos genomas das plantas, a saber: HD-ZIP I, HD-ZIP II, HD-ZIP III, HD-ZIP IV, KNOX, BEL, PLINC, WOX, DDT, PHD, NDX, LD, PINTOX, e SAWADEE. Sendo que as classe KNOX e BEL têm uma similaridade grande com a classe TALE dos animais, indicando uma origem comum.[9][20]

O surgimento das 14 classes precede a cladogênese dos musgos com as demais linhagens de plantas terrestres(uma das mais antigas desse clado[21]) sendo que houve ampliação de classes nas diferentes linhagens por eventos de duplicação e surgimento de genes parálogos dentro de cada classe.[20]

Genes homeóticos em animais

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Em animais foram descritas 11 classes de genes homeóticos, a saber: ANTP PRD,TALE, POU, CERS, PROS, ZF, LIM, HNF, CUT, e SINE (além de alguns outros que não se encaixaram nas grandes categorias).[9]

Na classe ANTP há famílias muito conhecidas: Hox e ParaHox.[4][5][9] Essas famílias existem, pelo menos desde o ancestral comum de cnidários e bilatérios mas não há registros deles em poríferos, placozoários e ctenóforos.[4][5][9][22] Apesar disso, já foram encontrados genes homeóticos de outras classes em esponjas.[23] Os genes Hox estão ligados ao desenvolvimento de tecidos derivados da ectoderme (epitélios e tecidos nervosos) e os ParaHox, da endoderme (sistema digestório).[9] Há, ainda, um terceiro conjunto de genes, menos conhecido que os dois acima referidos, o NK, que está envolvido no desenvolvimento de derivados da mesoderme. Porém, o surgimento desse cluster precede o do folheto embrionário mesodérmico na evolução de Metazoa, sugerindo que houve cooptação de suas funções ao longo do tempo.[9]

Os clusters Hox e ParaHox estão bem conservados na linhagens animais, apesar de duplicações terem ocorrido nos diferentes claros, resultando em diferenças no tamanho dos clusters.[4][5][9][22] Esse fato é inclusive importante para a reconstrução filogenética de Metazoa. Há, nesse genes, importantes sinapomorfias que definem grandes grupos como Ecdysozoa (possuem os genes abd-A e Ubx) e Lophotrochozoa (presença dos genes lox2, lox4, lox5, post1 e post2), além da união desses grupos no clado Protostomia (presença do peptídeo Ubd-A)[4]. Apesar disso, acredita-se que ambos derivam de um cluster ancestral, batizado de ProtoHox e presente no ancestral comum de cnidários e bilatérios.[5][9][22][24]

  1. a b c d Casci, T. 2004. Milestone 11 - Order: it's in the genes. Nature Milestones Development. Disponível em: https://www.nature.com/milestones/development/milestones/full/milestone11.html. Acesso em: 12 mar. 2019.
  2. a b c d e f g Gehring, W.J. & Hiromi, Y. 1986. Homeotic genes and the homeobox. Annual Review of Genetics, 20: 147-173.
  3. Bateson, W. 1984. Materials for the Study of Variation Treated with Especial Regards to Discontinuity in the Origin of Species. Editora Macmillan, Londres.
  4. a b c d e Balavione, G.; de Rosa, R. & Adoutte, A. 2002. Hox clusters and bilaterais phylogeny. Molecular Phylogenetics and Evolution, 24: 366-373.
  5. a b c d e f g Garcia-Fernàndez, J. 2005. Hox, ParaHox, ProtoHox: facts and guesses. Nature Heredity, 94: 145-152.
  6. Weigel, D. & Meyerowitz, E.M. 1994. The ABCs of floral homeotic genes. Cell, 78: 203-209.
  7. de Mendoza, A. et al. 2013. Transcription factor evolution in eukaryotes and the assembly of the regulatory toolkit in multicellular lineages. PNAS, 110(50): 4858-4866.
  8. a b Bürglin, T.R. & Affolter, M. 2016. Homeodomain proteins: an update. Chromosoma, 125: 497-521.
  9. a b c d e f g h i Holland, P.W.H 2013. Evolution of homeobox genes. WIREs Developmental Biology, 2: 31-45.
  10. a b c d e f g h i j k l Khan Academy. 2016. Homeotic Genes. Disponível em: https://www.khanacademy.org/science/biology/developmental-biology/signaling-and-transcription-factors-in-development/a/homeotic-genes. Acesso em: 17 mar. 2019.
  11. Lewis, E.B. 1978. A gene complex controlling segmentation in Drosophila. Nature, 276(7): 565-570.
  12. a b c McGinnis, W. & Krumlauf, R. 1992. Homeobox genes and axial patterning. Cell, 68: 283-302.
  13. a b Gill, G. 2001. Regulation of the initiation of eukaryotic transcription. Essays in Biochemistry, 37: 33-43.
  14. Corsetti, M.T. et al. 1992. Differencial DNA biding properties of three human homeodomain proteins. Nucleic Acids Research, 20(17): 4465-4472.
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  16. a b Schroeder, M.D. et al. 2004. Transcriptional Control in the Segmentation Gene Network of Drosophila. PLoS Biology, 2(9):e271.
  17. a b c d e Barr, R. 2004. Milestone 13 - How the fruit fly gets its stripes. Nature Milestones Development. Disponível em: https://www.nature.com/milestones/development/milestones/full/milestone13.html. Acesso em: 17 mar. 2019.
  18. a b c d e f g h i j Smith, H. 2010. Lecture 3 Drosophila: The Genetics of Segmentation. B2010 The Biology of Development. Disponível em: https://www.ucl.ac.uk/~ucbzwdr/teaching/b250-99/segments.htm. Acesso em: 17 mar. 2019.
  19. a b Flintoft, L. 2004. Milestone 22 - Coordinating Development. Nature Milestones Development. Disponível em: https://www.nature.com/milestones/development/milestones/full/milestone22.html. Acesso em: 17 mar. 2019.
  20. a b Mukherjee, K.; Brocchieri, L. & Bürglin, T.R. 2009. A comprehen-sive classification and evolutionary analysis of plant homeobox genes. Molecular Biology and Evolution, 26(12): 2775–2794.
  21. Simpson, M. 2010. Plant Systematics, 2ed, Academic Press Books, Cambridge, EUA.
  22. a b c Holland, P.W.H. 2001. Beyond the Hox: how widespread is homeobox gene clustering?. Journal of Anatomy, 199: 13-23.
  23. Degnan, B.M.; Degnan, S.M.; Giusti, A. & Morse, D.E. 1995. A hox/hom homeobox gene in sponges. Gene, 155: 175-177.
  24. Chourrout, D. et al. 2006. Minimal ProtoHox cluster inferred from bilaterais and cnidarian Hox complements. Nature, 442: 684-687.