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Constituição portuguesa de 1933

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A Constituição Política da República Portuguesa de 1933 foi a constituição política que vigorou em Portugal entre 1933, ano em que cessou a Ditadura Nacional, e 1976, data em que a a atual Constituição entrou em vigor, no seguimento de, em 1974, o regime do Estado Novo ter sido deposto pela Revolução de 25 de Abril.

Documento fundador do Estado Novo em Portugal, o seu projeto foi elaborado, a partir de um primeiro esboço da autoria de Quirino Avelino de Jesus, por um grupo de professores de Direito convidados por António de Oliveira Salazar e por ele diretamente coordenado. Marcello Caetano, que secretariou o processo de revisão do articulado do projeto, destacou o papel técnico de Domingos Fezas Vital, professor Direito Constitucional da Universidade de Coimbra. O projeto foi objecto de apreciação pelo Conselho Político Nacional e publicado na imprensa para discussão pública.[1][2][3]

Aprovação e entrada em vigor

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O texto final da Constituição foi publicado em suplemento ao Diário do Governo de 22 de fevereiro de 1933[4] e objecto de plebiscito em 19 de março do mesmo ano.[nota 1]

A Constituição entrou em vigor em 11 de Abril de 1933, data da publicação no Diário do Governo da acta de apuramento final dos resultados do plebiscito.[5]

O texto inicial foi objecto das seguintes alterações:

Caracterização

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Tendo como principais influências a Constituição de 1911 (por oposição), a Carta Constitucional de 1826 e as Constituições alemãs de 1871 e 1919, a Constituição de 1933 representou a concretização dos ideais de Salazar, inspirados no corporativismo, na doutrina social da Igreja e nas concessões nacionalistas. A figura do Chefe de Estado encontrava-se subalternizada, efectivando-se a confiança política ao contrário no disposto na Constituição: na prática, era o Presidente da República que respondia perante o Presidente do Conselho, Oliveira Salazar. Assim, não é de estranhar que a partir de 1959, ano de revisões à Constituição, a eleição do Presidente da República passasse a ser por sufrágio indirecto. Deste modo, havia um único partido, a União Nacional, sendo todos os outros abolidos. O Parlamento era bicamaral, composto por uma Assembleia Nacional, constituída por deputados escolhidos através de um processo eleitoral nominal que acaba eventualmente influenciado fortemente pelo Governo, de forma a assegurar que se discutiam, problemas e soluções concretas ao invés de ideologias, e por uma Câmara Corporativa, representante da sociedade civil, com um papel consultivo.

Os principais pontos da Constituição eram:

  • Compartimentalizar e isentar os vários pólos de governação dos territórios Portugueses através de autonomia governamental e orçamental;
  • Estabelecer um Governo de autarcia;
  • Criar uma Assembleia Nacional de eleição nominal;
  • Dar ao Executivo o poder de legislar por força de Decretos-lei e rever a letra da lei emitida pela Assembleia Nacional;
  • Responsabilizar o Presidente do Conselho de Ministros perante o Chefe de Estado para assegurar a sua honestidade e rectidão perante a pessoa que nele investia os poderes públicos;
  • Criar uma Câmara Corporativa para permitir a representação da sociedade civil.

Assim, o tipo de Estado era uma República Corporativa de forma unitária regional, incorporando as "províncias ultramarinas", consagrando o ideal de Salazar de preservar a Nação Portuguesa "do Minho a Timor". O Acto Colonial no entanto preconizava a separação completa da governação entre a metrópole e as Províncias Ultramarinas.[6]

As consequências deste novo texto foram apontadas pelo historiador Fernando Rosas: “o compromisso genético do Estado Novo com o republicanismo conservador, cujo reflexo é a hibridez semântica e compromissória do texto constitucional fixado em 1933, cedo se esvaziou de conteúdo, com a quase imediata incorporação do essencial desse sector no regime, ou a sua neutralização. Não obstante não haver alterações significativas na estrutura fundamental da Constituição até 1959 [quando Salazar abole o sufrágio direto na eleição do Presidente da República], a prática governativa ia orientar-se, logo a partir de 1933, e em explícita consonância com os princípios da Nova Ordem que se afirmava na Europa, num conjunto de direções precisas que caracterizam a natureza política do Estado Novo (...): a) Uma ditadura drasticamente centralizada (...); b) a supressão prática das liberdades fundamentais (...); c) a criação de um sistema de justiça política cuja espinha dorsal era a polícia política (PVDE - PIDE); d) a instalação de um vasto e policrático aparelho de propaganda e inculcação ideológica a todos os níveis de sociabilidade (...)”.[7]

O pós-25 de Abril

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Após a Revolução de 25 de Abril, e antes da aprovação e entrada em vigor da Constituição de 1976, foram aprovadas as seguintes leis constitucionais:

  • Lei n.º 1/74, de 25 de Abril
Destituiu das suas funções o então Presidente da República Américo Tomás e Presidente do Conselho Marcello Caetano, e ainda dissolveu a Assembleia Nacional e o Conselho de Estado.[8]
  • Lei n.º 2/74, de 14 de Maio
Extinguiu a Assembleia Nacional e a Câmara Corporativa.[9]
  • Lei n.º 3/74, de 14 de Maio
Estabeleceu a continuidade da Constituição de 1933 exceto no que contradissesse com as duas leis anteriores, com a própria lei, outra futura lei constitucional ou ainda o Programa do Movimento das Forças Armadas (publicado em anexo à lei), e ainda criou uma estrutura constitucional provisória a vigorar até à aprovação de nova Constituição.[10]
  • Lei n.º 4/74, de 1 de Julho
Determinou que era da competência do Conselho dos Estados-Maiores das Forças Armadas o exercício de funções legislativas sobre matérias que respeitassem à estrutura e organização das forças armadas, bem como a assuntos internos das mesmas, ou que tivessem como únicos destinatários militares ou civis integrados na organização militar.[11]
  • Lei n.º 5/74, de 12 de Julho
Alterou algumas disposições da Lei n.º 3/74, relativas ao Governo Provisório.[12]
  • Lei n.º 6/74, de 24 de Julho
Estabeleceu um regime transitório de governo para os Estados (colónias) de Angola e Moçambique.[13]
  • Lei n.º 7/74, de 27 de Julho
Reconheceu o direito de autodeterminação das colónias.[14]
  • Lei n.º 8/74, de 9 de Setembro
Criou para Moçambique, até 25 de Junho de 1975, como estruturas governativas, o cargo de Alto-Comissário, um Governo de Transição e uma Comissão Militar Mista.[15]
  • Lei Constitucional n.º 9/74, de 15 de Outubro
Foi autorizada a celebração de um tratado com a Índia que reconhecesse a soberania desta sobre o antigo Estado da Índia,[16] que viria a ser ratificado pelo Decreto n.º 206/75, de 17 de Abril.
  • Lei n.º 10/74, de 15 de Novembro
Determinou que as funções de Governador de Cabo Verde fossem exercidas por um Alto-Comissário.[17]
  • Lei n.º 11/74, de 27 de Novembro
Alterou o regime de governo do Estado de Angola de forma a adaptá-lo à fase então contemporânea do processo de descolonização.[18]
  • Lei n.º 12/74, de 17 de Dezembro
Criou, para São Tomé e Príncipe, um Alto-Comissário e um Governo de Transição.[19]
  • Lei n.º 13/74, de 17 de Dezembro
Aprovou o Estatuto Orgânico do Estado de Cabo Verde.[20]
  • Lei n.º 1/75, de 30 de Janeiro
Criou em Angola um Governo de Transição, uma Comissão Nacional de Defesa e um Estado-Maior Unificado.[21]
  • Lei n.º 2/75, de 31 de Janeiro
Alterou a Lei n.º 3/74, de 14 de maio, de forma a adiar as eleições da Assembleia Constituinte para 25 de Abril de 1975.[22]
  • Lei n.º 3/75, de 19 de Fevereiro
Atribui à Junta de Salvação Nacional determinados poderes nas seguintes matérias: «completar o desmantelamento e extinção das instituições características do antigo regime, adoptar medidas de saneamento e moralização da vida nacional, lutar contra as manobras lesivas da economia nacional e defender a tranquilidade pública contra crimes que, pela sua natureza ou frequência, a ponham em perigo».[23]
  • Lei n.º 4/75, de 13 de Março
Alarga os poderes da Junta de Salvação Nacional.[24]
  • Lei n.º 5/75, de 14 de Março
Na sequência do Golpe de 11 de Março de 1975, extinguiu a Junta de Salvação Nacional e o Conselho de Estado, e criou um Conselho da Revolução e uma Assembleia do Movimento das Forças Armadas.[25]
  • Lei n.º 6/75, de 26 de Março
Introduziu «alterações na constituição e formação do Governo Provisório», alterando as Leis n.ºs 3/74, de 14 de Maio, e 5/74, de 12 de Julho.[26]
  • Lei n.º 7/75, de 17 de Julho
Inseriu «disposições relativas à descolonização de Timor».[27] Nunca chegou a produzir efeitos práticos devido à invasão indonésia do território e subsequente ocupação.
  • Lei n.º 8/75, de 25 de Julho
Determinou a sanção a aplicar «aos responsáveis, funcionários e colaboradores» da PIDE-DGS.[28] Continua em vigor nos termos do art.º 292º da Constituição de 1976.
  • Lei n.º 9/75, de 7 de Agosto
Atribui competências a um tribunal militar revolucionário para o julgamento do Golpe de 11 de Março de 1975.[29] O tribunal foi regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 425/75, de 12 de Agosto.
  • Lei n.º 10/75, de 7 de Agosto
Criou os cargos de vice-primeiro-ministro.[30]
  • Lei n.º 11/75, de 9 de Setembro
Proibiu «aos órgãos de comunicação social a divulgação de relatos, notícias, comunicados, moções ou documentos sobre acontecimentos ou tomadas de posição em unidades ou estabelecimentos militares, salvo se provenientes de determinadas entidades».[31]
  • Lei n.º 12/75, de 25 de Setembro
Revogou a Lei n.º 11/75, de 9 de Setembro.[32]
  • Lei n.º 13/75, de 12 de Novembro
Instituiu um Tribunal Militar Conjunto de forma a julgar os crimes da PIDE-DGS e da Legião Portuguesa, bem como outros crimes do foro militar que se mostrassem convenientes.[33] O Tribunal Militar Conjunto foi regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 673/75, de 27 de Novembro.
  • Lei n.º 14/75, de 20 de Novembro
Alterou a Lei n.º 3/74, de 14 de Maio, de forma a prorrogar o prazo de funcionamento da Assembleia Constituinte.[34]
  • Lei n.º 15/75, de 23 de Dezembro
Extinguiu o Tribunal Militar Revolucionário criado pela Lei n.º 9/75, de 7 de Agosto, atribuindo as suas competências aos tribunais militares.[35]
  • Lei n.º 16/75, de 23 de Dezembro
Extinguiu o Tribunal Militar Conjunto, criado pela Lei n.º 13/75, de 12 de Novembro, e alterou a Lei n.º 8/75, de 25 de Julho, de forma a atribuir o julgamento pelos crimes da PIDE-DGS aos «tribunais militares territoriais de Lisboa».[36] Na última parte mantém-se em vigor de acordo com o art.º 292º da Constituição de 1976.
  • Lei n.º 17/75, de 26 de Dezembro
Aprovou as «bases fundamentais para a reorganização das forças armadas».[37]
  • Lei n.º 18/75, de 26 de Dezembro
Alterou a Lei n.º 8/75, de 25 de Julho.[38] Mantém-se em vigor nos termos do art.º 292º da Constituição de 1976.
  • Lei n.º 19/75, de 31 de Dezembro
Foram «tomadas medidas conducentes à legalização de actos e pagamentos das despesas» de Timor devido à ocupação do território pela Indonésia.[39]
  • Lei n.º 1/76, de 17 de Fevereiro
Aprovou o Estatuto Orgânico de Macau.[40] Com alterações, a Lei manteve-se em vigor até 20 de Dezembro de 1999.
  • Lei n.º 2/76, de 23 de Fevereiro
Alterou a Lei n.º 3/74, de 14 de Maio, de forma a modificar o regime da Assembleia Constituinte.[41]

De acordo com o nº 1 do art.º 292º da Constituição de 1976, na sua versão original, as disposições da congénere de 1933 que ainda vigoravam à altura da entrada em vigor da primeira caducaram, ao passo que as leis referidas neste capítulo passaram a ser consideradas leis ordinárias. No entanto, de acordo com o art.º 294º da primeira, só após a tomada de posse do novo Presidente da República (que viria a ser António Ramalho Eanes, a 14 de julho de 1976), é que as leis anteriores referentes à organização, a competência e o funcionamento dos órgãos de soberania deixaram de ter vigor constitucional.

Notas

  1. O plebiscito foi regulado pelo Decreto n.º 22229, de 21 de fevereiro de 1933

Referências

  1. CAETANO, Marcelo. Minhas Memórias de Salazar, 3.ª ed., Lisboa, 1985, p. 44
  2. ARAÚJO, António de. A lei de Salazar: estudos sobre a Constituição Política de 1933. Coimbra : Tenacitas, 2007.
  3. RIBEIRO, Maria da Conceição Nunes de Oliveira. O debate em torno do projecto de constituição do Estado Novo na imprensa de Lisboa e Porto (1932-1933)
  4. Decreto n.º 22 241, de 22 de fevereiro de 1933.
  5. Ata de apuramento final dos resultados do plebiscito.
  6. a b Cf. CAETANO, Marcelo. Manual de Ciências Políticas e Direito Constitucional, tomo I, ISBN 978-972-400-517-1
  7. Rosas, Fernando (2004). Pensamento e acção política — Portugal no século XX (1890–1976). Lisboa: Editorial Notícias. pp. 86–90. ISBN 972-46-1523-5 
  8. Lei n.º 1/74, de 25 de abril.
  9. Lei n.º 2/74, de 14 de maio.
  10. Lei n.º 3/74, de 14 de maio.
  11. Lei n.º 4/74, de 1 de Julho.
  12. Lei n.º 5/74, de 12 de Julho.
  13. Lei n.º 6/74, de 24 de Julho
  14. Lei n.º 7/74, de 27 de Julho.
  15. Lei n.º 8/74, de 9 de Setembro.
  16. Lei Constitucional n.º 9/74, de 15 de Outubro.
  17. Lei n.º 10/74, de 15 de Novembro.
  18. Lei n.º 11/74, de 27 de Novembro.
  19. Lei n.º 12/74, de 17 de Dezembro.
  20. Lei n.º 13/74, de 17 de Dezembro.
  21. Lei n.º 1/75, de 30 de Janeiro.
  22. Lei n.º 2/75, de 31 de Janeiro.
  23. Lei n.º 3/75, de 19 de Fevereiro.
  24. Lei n.º 4/75, de 13 de Março.
  25. Lei n.º 5/75, de 14 de Março.
  26. Lei n.º 6/75, de 26 de Março.
  27. Lei n.º 7/75, de 17 de Julho.
  28. Lei n.º 8/75, de 25 de Julho.
  29. Lei n.º 9/75, de 7 de Agosto.
  30. Lei n.º 10/75, de 7 de Agosto.
  31. Lei n.º 11/75, de 9 de Setembro.
  32. Lei n.º 12/75, de 25 de Setembro.
  33. Lei n.º 13/75, de 12 de Novembro.
  34. Lei n.º 14/75, de 20 de Novembro.
  35. Lei n.º 15/75, de 23 de Dezembro.
  36. Lei n.º 16/75, de 23 de Dezembro.
  37. Lei n.º 17/75, de 26 de Dezembro.
  38. Lei n.º 18/75, de 26 de Dezembro.
  39. Lei n.º 19/75, de 31 de Dezembro.
  40. Lei n.º 1/76, de 17 de Fevereiro.
  41. Lei n.º 2/76, de 23 de Fevereiro.
  • CAETANO, Marcelo. História Breve das Constituições Portuguesas. Lisboa, Verbo, 3.ª ed., 1971.
  • CANOTILHO, Margarida. «A Constituição de 1933», in 1933: A Constituição do Estado Novo. Lisboa, Planeta De Agostini, 2008, pp. 6–29.
  • MIRANDA, Jorge. As Constituições Portuguesas: de 1822 ao Texto Actual da Constituição. Lisboa, Livraria Petrony Lda., 4.ª ed., 1997.ISBN 972-685-077-0
  • MOREIRA, Vital. «O Sistema Jurídico-Constitucional do Estado Novo», in MEDINA, João (dir). História de Portugal: Dos Tempos Pré-Históricos aos Nossos Dias. Amadora: Ediclube, Edição e Promoção do Livro, Lda., 2004, vol. XV. ISBN 972-719-283-1
  • CAETANO, Marcelo. Manual de Ciências Políticas e Direito Constitucional, tomo I, ISBN 978-972-400-517-1
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ISBN 978-972-400-517-1