Calúnia
Esta página ou seção está redigida sob uma perspectiva principalmente brasileira e pode não representar uma visão mundial do assunto. |
Calúnia é um dos crimes contra a honra, e consiste em imputar ou atribuir falsamente a alguém um fato definido como crime (art. 138, CP/40). Tal crime atinge a honra objetiva, a qual é uma percepção externa da sociedade sobre as qualidades de certo indivíduo. Deste modo, é atribuído ao indivíduo um fato desabonador, em especial, um comportamento que é contrário ao ordenamento jurídico. Portanto, dentre todos os crimes contra a honra, a calúnia é o mais grave.[1]
Crime de calúnia | |
---|---|
no Código Penal Brasileiro | |
Artigo | 138 |
Título | Dos crimes contra a pessoa |
Capítulo | Dos crimes contra a honra |
Pena | Detenção, de 6 meses a dois anos, e multa |
Ação | Privada |
Competência | Juiz singular |
Em 2012, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas enfatizou em um relatório que a criminalização da calúnia se torna inevitavelmente um mecanismo de censura política que contraria as liberdades de expressão e de imprensa.[2]
Existem três pontos fundamentais para caracterizar a calúnia:
a) a atribuição de um fato;
É necessário ter cuidado com a diferenciação de imputar um fato e imputar uma qualidade. Porquanto, quando, por exemplo, ao dizer que a vítima é um assassino, estará imputando uma qualidade negativa, e não um fato. Assim sendo, nesse exemplo, o crime configurado é o de injúria, e não o de calúnia.
b) obrigatoriamente, tal fato atribuído à vítima requer ser falso;
O agente incriminador (sujeito ativo) deve necessariamente saber que o fato que está imputando é falso.
Importante notar que mesmo quando o fato for verdadeiro, e o agente ativo falsamente imputar à vítima tal fato que não é de sua autoria, o crime de calúnia também se configura.
c) mesmo sendo falso, o fato necessariamente tem que ser caracterizado como crime.
Neste quesito, o fato falso imputado deve estar definido como crime. O artigo 1º do Código Penal Brasileiro é essencial nesse ponto identificador da calúnia, já que trás a seguinte dicção: "Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente".
- Crime comum;
- Crime formal;
- Doloso;
- De forma livre;
- Instantâneo;
- Comissivo;
- Omissivo impróprio, nos casos em que o agente possua o status de garantidor;
- Monossubjetivo;
- Unissubsistente ou plurissubsistente;
- Transeunte; e
- De conteúdo variado.
Objeto material e bem juridicamente protegido
editarNesse tipo penal, o bem juridicamente protegido é a honra no seu modo objetivo, ou seja, a sua reputação perante a sociedade.
E o objeto material é a pessoa que foi exposta ao delito de calúnia.
Sujeito ativo e sujeito passivo
editarDiante o caput do artigo 158 “caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime.”, qualquer pessoa pode ser tanto o sujeito ativo quanto o sujeito passivo para este crime.
No que tange à pessoa jurídica, esta poderá atuar no polo passivo do crime de calúnia. Entretanto, sua conexão deverá ser, o falso fato criminoso a ela atribuído, necessariamente enquadrado na Lei nº 9.605/98. Portanto, outras alegações fora da Lei Ambiental deverão ter como hipótese o crime de difamação.
Consumação e tentativa
editarA calúnia consuma-se quando a imputação de falso fato criminoso chega ao conhecimento de terceiro, que não o próprio sujeito passivo. Assim o tipo penal da calúnia busca cuidar da honra objetiva do agente, ou seja, a sua reputação perante a sociedade. Portanto, a vítima não necessariamente precisa se sentir ofendida quanto à sua honra, basta que o agente aja com esta finalidade.
A tentativa dependerá do meio que será executado o tipo penal. Deste modo, a tentativa é configurada quando a realização do tipo não é atingida, por circunstâncias alheias à vontade do agente incriminador.
Elemento subjetivo
editarPara a configuração do crime de calúnia é necessário o chamado dolo específico, que neste caso é o animus calumniandi, isto é, há a necessidade de o agente querer ofender a honra do sujeito passivo. Neste caso, admite-se todos os tipos de dolo, inclusive o eventual.
Se o agente não busca atingir a honra da vítima, estará ele atuando com o chamado animus jocandi, restando, assim, afastado o elemento subjetivo do crime de calúnia. Porquanto, dolo é ter a consciência e a vontade de praticar a conduta que está exarada no tipo penal.
Agente que propala ou divulga a calúnia
editarAo contrário do caput, que se admite dolo eventual, nesse subtipo de calúnia descrito no §1º do art. 138 do Código Penal Brasileiro é necessário que a prática seja com dolo direto de dano, pois o sujeito, ao imputar falsamente fato criminoso, deve ter plena convicção da falsidade da imputação.
Contra os mortos
editarDiz o §2º do art. 138 do Código Penal: é punível a calúnia contra os mortos.
Apesar do morto não ter mais o status de pessoa ou “alguém”, sua memória, e indiretamente a de seus parentes, deve ser preservada da imputação de falso fato criminoso.
Frisa-se que o Código Penal delimitou aos mortos somente a calúnia, os demais crimes contra a honra não são admitidos.
Exceção da verdade
editarA exceptio veritatis é uma ferramenta dada ao autor do delito de calúnia com a finalidade de provar que a sua narrativa é verdadeira, livrando-se, assim, da infração penal a ele imputada.
Todavia, o §3º do art. 138 do Código Penal, excetua algumas situações que se torna insustentável a perseguição da exceção da verdade, in fine:
I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível;
II - se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do art. 141;
III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.
Portanto, no caso de uma ação penal de iniciativa privada e se o ofendido não foi terminantemente condenado, ou seja, se a sentença penal condenatória não tiver sido transitada em julgado ou seu recurso, não poderá suscitar a exceção da verdade. Outra hipótese elencada no inciso II do § 3º do art. 138 do Código Penal faz referência a fato imputado ao Presidente da República, chefe de governo estrangeiro, dentre outros. Neste caso, também não é possível erigir a exceptio veritatis. No que tange o inciso III do § 3º do art. 138 do Código Penal, mesmo não citando a ação de iniciativa privada, é possível interpretar tal inciso conjuntamente com a ação de iniciativa pública quando há absolvição por sentença irrecorrível, ou seja, como o fato fora decidido judicialmente, não podendo largar mão da prova de verdade.
Pena para crime de calúnia
editarA pena no delito de calúnia é a de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, além de multa. Tal pena é destinada igualmente àquele que é conhecedor da falsidade do fato criminoso imputado, propalando-o ou divulgando-o, consoante o § 1º do art. 138 do Código Penal.
Causas de aumento da pena
editarAlgumas causas fazem com que a pena aplicada ao agente seja especialmente aumentada. De acordo com o artigo 141 do atual Código Penal, as penas cominadas nos artigos que compõem o seu Capítulo V, dos Crimes Contra a Honra, aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:
A) Contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro;
B) Contra funcionário público, em razão de suas funções;
C) Na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria.
D) Contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência, exceto no caso de injúria.
Vale salientar que o parágrafo único do mesmo dispositivo legal disciplina que, em qualquer dos casos, se o crime for cometido mediante paga ou promessa de recompensa, a pena é aplicada em dobro.
Assim, duas são as hipóteses: aumenta-se a pena em 1/3, nos casos elencados nos incisos, ou dobra-se ela, no caso do parágrafo único.
Exclusão do crime e da punibilidade
editarAs hipóteses em que o Código Penal desconsidera a punibilidade da injúria e da difamação encontram-se no seu artigo 142. São elas:
A) a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador;
B) a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar;
C) o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício.
Observe-se que o crime de calúnia não é incluído nas disposições do artigo. Ademais, muitas são as divergências doutrinárias acerca da natureza jurídica das hipóteses relacionadas neste dispositivo, ora referindo-se a elas como causas de exclusão de pena, causas de exclusão da tipicidade, ou como causas de exclusão da antijuridicidade.
Retratação
editarDisciplina o artigo 143 que se antes da sentença o querelado se retratar cabalmente da calúnia ou da difamação, ficará isento de pena. Importante ressaltar que nos casos em que a calúnia ou a difamação tenham sido praticados através da utilização de meios de comunicação, se o ofendido desejar, a retratação deverá ocorrer pelos mesmos meios com que a ofensa foi praticada.
Trata-se, aqui, de causa de extinção de punibilidade, que, nesse caso, só pode ser aplicada nos crimes de calúnia e difamação. Importante reforçar que a retratação pode ocorrer somente até que a decisão do julgador tenha sido publicada em cartório. Após isso, ainda há a possibilidade de retratação em grau de recurso, hipótese em que não ocorre a isenção de pena, mas a aplicação de uma circunstância atenuante. Outrossim, o ato de que estamos falando é pessoal, ou seja, quando realizado por uma pessoa, não se aplica a outras.
Pedido de explicações
editarÉ algo que pode ocorrer antes do início de uma ação penal privada. Se, eventualmente, por causa de determinadas referências, alusões ou frases, alguém se julga ofendido, delas inferindo-se calúnia, difamação ou injúria, pode pedir explicações em juízo. Isto, pois, em algumas ocasiões, a falta de clareza de uma expressão ou a ambiguidade de termos pode induzir interpretações equivocadas acerca de um posicionamento ou postura.
Nessa seara, o agente pode escolher explicar-se, ou não, em juízo. No primeiro caso, em que extingue as dúvidas em relação às referências, alusões ou frases, afasta-se o dolo. Já na segunda hipótese, em que não fornece explicações, ocorrerá ação penal somente se a vítima ingressar em juízo com a queixa.
Há, ainda, terceira situação, em que, fornecendo explicações, estas são consideradas insatisfatórias pelo magistrado, devendo responder o agente pela ofensa.
A ação penal
editarEm regra, nos crimes contra a honra, a ação penal se inicia mediante queixa, com ressalva para a exceção da injúria, quando esta consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes, tendo como resultado da violência a lesão corporal.
Se qualquer dos crimes contra a honra for praticado contra o Presidente da República, procede-se ação penal mediante requisição do Ministro da Justiça. Se praticado contra funcionário público, em razão de suas funções, a ação penal é pública, condicionada à representação do ofendido.
Lado outro, se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça e cor, a ação penal é pública incondicionada, conforme alteração na Lei 14.532/23.[5]
Referências
- ↑ a b c Greco, Rogério (2019). Curso de Direito Penal - Parte Especial - Vol. II: Volume 2. Rio de Janeiro: Impetus. p. Capítulo 18, páginas 1-23
- ↑ Frank La Rue (4 de junho de 2012). «Report of the Special Rapporteur on the promotion and protection of the right to freedom of opinion and expression». https://www.ohchr.org. parágrafo 87. Consultado em 12 de janeiro de 2019
- ↑ «Jurisprudência em Teses trata sobre crimes contra a honra». www.stj.jus.br. Consultado em 20 de maio de 2021
- ↑ «Código Penal Brasileiro». www.planalto.gov.br. Consultado em 7 de junho de 2024
- ↑ Queiroz de Mello, Eduardo (27 de julho de 2023). «Diferença entre Racismo e Injúria Racial». Advocacia Criminal em Belo Horizonte. Consultado em 30 de julho de 2023